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Entidades de classe criticam portaria que alterou as regras para a fiscalização e o combate ao trabalho escravo no Brasil

A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) e a Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat) divulgaram nesta quarta-feira, 18/10, nota pública onde criticam a portaria do Ministério do Trabalho (nº 1.129/2017), publicada na última segunda-feira, 16/10, que alterou as regras para a fiscalização e o combate ao trabalho escravo no Brasil.

De acordo com as entidades, a portaria está “eivada de patente ilegalidade, exorbitando do poder regulamentar atribuído ao Poder Executivo, que é secundário e não pode se sobrepor à lei”. Elas afirmam ainda que a portaria esvazia os conceitos já consolidados de trabalho escravo por condições degradantes e por jornada exaustiva, condicionando sua caracterização à necessidade da existência do cerceamento da liberdade de ir e vir, o que nem sempre ocorre.

Confira abaixo a íntegra da nota ou clique aqui para ver em PDF.

 

  

NOTA PÚBLICA 

 

As entidades abaixo subscritas, representantivas de juízes do Trabalho, procuradores do Trabalho, procuradores da República, auditores fiscais do Trabalho e advogados trabalhistas,  vêm a público registrar, quanto à publicação da Portaria nº 1.129 do Ministério do Trabalho, o seguinte:

 

1. A Portaria n. 1.129/2017, a pretexto de regular a concessão do seguro-desemprego a trabalhadores resgatados em situação de trabalho escravo e a inclusão do nome de empregadores flagrados explorando o trabalho escravo na chamada lista suja, redefiniu ilegalmente o conceito de trabalho em condições análogas às de escravo, promovendo reducionismo semântico incompatível com a redação do art. 149/CP  e criando uma série de dificuldades administrativas para a prevenção, a fiscalização e a punição dessa chaga social que envergonha o país.

 

2. Já por isso, a portaria está eivada de patente ilegalidade, exorbitando do poder regulamentar atribuído ao Poder Executivo, que é secundário e não pode se sobrepor à lei.  Ao redefinir o conteúdo do art. 149/CP, contrariando a jurisprudência dos tribunais e a própria compreensão da OIT, usurpa-se prerrogativa constitucional conferida ao Congresso Nacional, na medida em que tal redefinição só poderia  ser realizada  por lei em sentido formal.

 

3. Para mais, a Portaria nº 1.129 esvazia os conceitos já consolidados de trabalho escravo por condições degradantes e por jornada exaustiva, condicionando sua caracterização à necessidade da existência do cerceamento da liberdade de ir e vir, o que nem sempre ocorre. O atual conceito de trabalho em condições análogas às de escravo busca preservar não apenas a liberdade do trabalhador, mas também a sua dignidade inviolável, que muitas vezes é atingida sem que necessariamente se verifique   cerceamento em sua liberdade de locomoção. Nas jornadas exaustivas, basta o excesso brutal de jornada, em condições tendentes ao esgotamento físico e mental do obreiro; e, na submissão a condições de labor degradantes, o que se recusa ao trabalhador é um patamar mínimo de proteção de sua higiene, saúde e segurança, resultando em condições de extrema precariedade e risco. Nas duas hipóteses, o constrangimento à liberdade de ir e vir ou a própria ausência de consentimento não são condições necessárias para a configuração do ilícito.  

 

4. Com efeito, a escravidão contemporânea se conforma quando  alguém exerce sobre outrem, direta ou indiretamente, atributos do direito de propriedade, reduzindo o trabalhador à condição de coisa. É o que já reconheceu, inclusive, o Supremo Tribunal Federal e a  Corte Internacional de Direitos Humanos (caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil), em que se previu expressamente que não poderia haver retrocessos na política brasileira de combate e erradicação do trabalho escravo. 

 

5. De resto, a Portaria nº 1.129 viola frontalmente tratados e convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, a exemplo das Convenções nºs 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o que pode gerar a aplicação de sanções internacionais ao Estado brasileiro, comprometendo a imagem do país perante a comunidade internacional.

 

6. Por fim, registre-se que a legislação brasileira e a atuação do Estado brasileiro na luta pela erradicação do trabalho escravo sempre foram referências, até então, perante diversos países do mundo, com reconhecimento público junto à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização Internacional do Trabalho. Tais avanços estão agora em xeque, até que sobrevenha a revogação do ato questionado. Segurança  jurídica pressupõe, antes de mais, o diálogo franco e aberto com a sociedade civil organizada, construindo-se cooperativamente os parâmetros normativos em discussão. A unilateralidade, ao revés, estremece e confunde. 

 

 

Guilherme Guimarães Feliciano

Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA)

 

 

Ângelo Fabiano Farias da Costa

Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT)

 

 

 Roberto Parahyba de Arruda Pinto

Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (ABRAT)

 

 

Carlos Fernando da Silva Filho

Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT)

 

 

José Robalinho Cavalcanti

Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)

 

 

 

 

 

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