“É inadmissível que o país ainda permita que suas crianças não tenham infância”

Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados sobre trabalho infantil, deputada Sandra Rosado, fala sobre a CPI e faz uma avaliação sobre o tema, nos dias de hoje, no Brasil. Confira.
De acordo com a OIT, 160 milhões de crianças trabalham irregularmente em todo o mundo. Como a CPI do Trabalho Infantil pode contribuir para modificar essa realidade no Brasil?

O que me impulsionou a propor essa CPI foi justamente identificar que o trabalho infantil trata-se, realmente, de uma das mais graves mazelas deste país. Vítimas, frequentemente, dos próprios pais, que precisam dos filhos para aumentar o orçamento doméstico, esses milhões de crianças e jovens perdem sua infância na lida diária por uns poucos trocados.

A nossa ideia é conhecer de perto essas realidades e traçar um diagnóstico do trabalho infantil no Brasil. Mostrar aos brasileiros que muitas são as crianças que ainda trocam os bancos da escola pelo trabalho precoce. Apesar do esforço das organizações internacionais e de setores do poder público brasileiro, é certo que a situação do trabalho infantil permanece preocupante no país.

Não obstante os avanços existentes, não há dúvida de que a prática continua usual, atingindo número superior a 4 milhões de crianças, contabilizadas todas as regiões. Daí a necessidade imperiosa de investigação firme e criteriosa do Congresso Nacional.

Quais providências entende que podem ser adotadas, inclusive no que diz respeito a políticas públicas, para otimizar os resultados no combate a essa chaga que é o trabalho infantil?

Há sete anos comecei minha luta no Congresso Nacional para que essa CPI fosse instalada. Finalmente, no dia 8 de outubro comemoramos sua efetivação. À época minha proposta embasava-se em denúncias ventiladas pela imprensa televisiva, referentes ao trabalho infanto-juvenil em alambiques no sudoeste da Bahia.

Outras denúncias foram apresentadas, referentes à exploração de trabalho infantil nas mineradoras de talco, e redundaram no cancelamento de contratos de aquisição de matéria-prima por três empresas multinacionais.

Finalmente, incluímos em nossa justificativa os gravíssimos problemas de utilização de mão de obra infanto-juvenil em ambiente doméstico, modalidade geralmente invisível, mas que apresenta exemplos escabrosos de maus tratos e abuso físico e sexual.

A partir dessa realidade, vemos que em um primeiro momento precisamos identificar as causas e os efeitos de cada situação e a partir disso trabalharmos diretamente no fato. Não podemos negar que crianças que trabalham em alambiques, por exemplo, têm uma realidade totalmente diferente de crianças que trabalham como artistas, ainda que ambos os casos não deixem de ser trabalho infantil.

Em muitos casos, o enfrentamento ao trabalho infantil esbarra na questão cultural, pois parte considerável da sociedade ainda entende como natural ver crianças trabalhando, até mesmo com o discurso de que “é melhor trabalhar que roubar”, como se fossem estas, de fato, as únicas opções disponíveis. Como analisa essa questão e como a CPI pode contribuir para modificar essa mentalidade?

Como disse, nada poderá ser anunciado sem antes identificarmos a realidade de cada fato. O único entendimento é que este é o momento de reconhecer que o lugar de criança e adolescente é na sala de aula, estudando e realizando atividades lúdicas.

É inadmissível que um país, que tanto tem alcançado em termos de desenvolvimento socioeconômico, ainda permita que suas crianças não tenham infância e exerçam atividades que não são produtivas para elas próprias, suas famílias e tampouco para a nação, que tem sua imagem manchada perante os outros povos por não proteger seus jovens. Esse será o nosso foco, que criança seja tratada e viva como criança em qualquer circunstância.

Serão promovidas diversas audiências no âmbito da Comissão. Quais pontos, em sua opinião, devem gerar mais polêmica? Quais serão as principais dificuldades que a CPI deverá enfrentar?

Sem dúvida, entre tantos, será justamente o de mudar o discurso que é melhor “trabalhar que roubar”. Sem contar que estamos adentrando em um campo minado que envolve os mais diferentes interesses, mas isso não nos intimida e sim nos dá disposição para lutar pela valorização da criança. Não podemos negar jamais que crianças afastadas dos bancos escolares, carentes de educação elementar e lazer minimamente saudável, anulam sem saber suas possibilidades de inserção no mercado de trabalho e de ingresso na vida adulta de forma digna, produtiva e satisfatória. Todos nós sabemos que a CPI está diante de uma tarefa muito nobre, mas também demandante e árdua, que muito acrescentará aos seus membros pela grandeza de nossa missão de ao mesmo tempo zelar pelo futuro de nossas crianças e adolescentes, e assim contribuir para a construção de um país melhor para se viver.

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